quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Design, cultura material e fetichismo dos objetos




“O design não é uma atividade neutra, mas resultado de processo consciente e intencional que expressa um modo de interpretar a realidade de seus criadores”


(Dunne and Roby, 2001; Attfield, 2000; Cardoso, 1988 apud Norman, 2008)


Muito se têm discutido a respeito das várias interpretações defendidas a cerca do surgimento do designer enquanto profissional. Muitos acreditam que a raiz dessa atividade se dá na divisão de trabalho que dominou os ateliês de pintura desde o renascimento. Outros afirmam que o momento crucial para o surgimento do design foi a Revolução Industrial e a divisão sistemática de tarefas que a acompanhou. Já para os mais modernistas, tudo começou apenas no início do século XX.

Porém, muito mais difícil que afirmar o momento específico do surgimento do design é limitar sua abrangência de ação na sociedade atual, já que não se pode afirmar ao certo se o design é definido pelos objetos que produz ou se pauta no próprio processo de projetar. É exatamente essa interpretação dúbia em relação a sua natureza que ameaça minar a identidade do designer atual.

Há tempos atrás o designer era considerado um guardião dos grandes valores estéticos, decidindo de forma quase inquestionável aquilo que poderia ser considerado feio ou bonito. Atualmente, a sociedade já não sente mais a necessidade de pautar todos os seus produtos a padrões estéticos únicos. O principal interesse agora é o apelo comercial que estes terão, o que poderá ser feito não necessariamente por um profissional da área do design.

Diante de toda essa erosão com relação a sua profissão, o designer não pode perder a consciência de sua suma importância histórica para a evolução da sociedade industrial. Pois, antes de projetar produtos ou definir processos, o designer é capaz de desenvolver um fenômeno humano muito mais abrangente: dar existência concreta e autônoma a idéias abstratas e subjetivas. Desenvolvendo, de certa forma, a cultura material de nossa sociedade.

Entendendo cultura material como uma forma de compreender o papel dos artefatos em um mundo em que o consumo de mercadorias e consumismo constituem-se um fenômeno de maior importância social e cultural. Podemos então perceber que o design constitui a fonte mais importante da cultura material da sociedade atual, pautada, mais do que qualquer outra que já existiu, na abundância material gerada.

O que leva a uma tendência mundial perigosa: onde as pessoas se relacionam de forma obsessiva com seus bens materiais em vez de participarem de interações sociais, passando a usar o consumo como uma forma de suprir outros aspectos da relação humana. O que, segundo Cardoso, pode ser definido com fetichismo dos objetos.

O fetichismo funciona ao mesmo tempo com uma atribuição de valores ao produto, como a apropriação de valores subjetivos representados pelo produto. Para melhor entendimento, faz-se necessário uma análise das variadas aplicações do termo durante os últimos séculos.

O seu uso em português advém do vocábulo francês fetiche, cujo sua origem vem da palavra portuguesa ‘feitiço’ tendo seu primeiro registro datado no século XVII.

Fetichismo em sua acepção mais antiga refere-se à adoração de objetos animados ou inanimados aos quais se atribuíam poderes sobrenaturais. É usado na língua portuguesa desde o século XV para denotar amuletos utilizados para fins de bruxaria, e apropriada pelos portugueses já no século XVI para descrever práticas religiosas de povos africanos.

A segunda acepção definida por Karl Marx para o termo advém exatamente desse senso de estranheza. Na quarta parte do primeiro capítulo do primeiro volume de O capital (1867) Marx transpõe o sentido até então antropológico do termo, acrescentando o sentido sócio-econômico em que os objetos acabam assumindo um caráter “místico” ao serem transformados em mercadorias.

Sua terceira acepção dá-se a certos tipos de comportamentos sexuais, sentido mais atribuído à palavra atualmente. Sigmund Freud faz uso do termo para discutir a prática de tomar como foco de desejo sexual objetos e partes do corpo de natureza não sexual. Como justificativa para o uso do termo, Freud afirma que, de alguma forma, esses objetos assemelham-se com os fetiches em que os selvagens acreditavam estarem incorporados seus deuses.

Temos assim, três definições de fetiche: um tipo de culto que atribui aos objetos poderes sobre naturais, um aspecto da teoria econômica que atribui valor transcendental aos objetos e um comportamento sexual em que o indivíduo atribui à objetos cargas sexuais. O que nos leva a concluir, portanto, que este termo define a ação espiritual, ideológica e psíquica de atribuir valor simbólico aos artefatos que nos rodeam. O que, para um bom designer, é sua principal tarefa: investir os objetos de significados que não lhes são inerentes.

Vê-se então, que atividade mais importante para o desenvolvimento do design atual é atribuição consciente de valores aos produtos a serem desenvolvidos. O designer precisa embutir aos artefatos industriais criatividade, qualidade, viabilidade e, principalmente, a visão do mundo em ele que está inserido. Assumindo essa visão fetichista em relação aos produtos e a sociedade o designer poderá transpor mais facilmente a barreira tão temida do mercado, onde atualmente o que mais se destaca é o valor simbólico das mercadorias.

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